Na boemia, em boa companhia...
________________________________________
Luiz Manhães
Pesquisando na Internet, encontrei no site de Cláudio Jorge, compositor e violonista carioca, companheiro das mesas de sinuca na década de 80, um texto provocante sobre a boemia:
"Meu parceiro e amigo Nei Lopes costuma dizer que eu sou uma pessoa muito equilibrada nas ações e tomadas de posição. Realmente eu sempre procuro olhar todas as faces das questões antes de definir uma opinião. Às vezes, porém, eu dou umas escorregadas e faço afirmações absolutamente radicais, como a que eu vou fazer agora: Eu considero que um músico se torna um ser humano completo quando ele também é um boêmio praticante. Vou tentar explicar porque:
A boemia não tem horário para começar nem acabar. Pode ser à noite madrugada adentro ou sob a luz do refletor de Deus, com uns chopinhos do lado, porque ninguém é de ferro. Mas a boemia, como grande entidade que é, não se resume aos goles da bebida preferida, a boemia, antes de tudo, é o ato mais honesto de se conviver em sociedade. Vejamos, pois: é em estado de boemia que surgiram alguns dos sambas mais lindos da musica popular; é lá, no mais completo transe boêmio, que confessamos para aquele cara que a gente acabou de conhecer a dor da última desilusão amorosa; lá amigos são amigos mesmo e os chatos, que sempre aparecem no melhor da festa são sempre colocados de lado, de uma forma ou de outra; falando em chatos, as autoridades constituídas estão sempre presentes nos papos boêmios. É uma prática politicamente correta que coloca os atos de nossos políticos sob a mira dos mais exigentes analistas políticos de botequim. Psicólogos, cantores, conselheiros, amantes, o boêmio é um pouco de tudo quando está exercendo o seu ofício.
A solidariedade humana é a base do discurso boêmio aliada a um enorme prazer de viver, de desfrutar das grandes riquezas contidas nos pequenos detalhes da vida, sempre acompanhada por música, geralmente brasileira e da boa. O músico que passa os dias enclausurado em sua casa, as voltas com as partituras, harmonias e Cds, só enxergando o umbigo de sua técnica, sem aventurar sua alma na direção dos prazeres que esse mundo de meu Deus nos oferece, pode até se julgar uma pessoa feliz. Eu não seria. As minhas músicas e o meu violão estão carregados de um desses prazeres: a boemia."
Neste longo, porém esclarecedor depoimento de Cláudio Jorge, novas pistas aparecem como, por exemplo, a constatação da produção musical em plena boemia e seus momentos de confessionário. Do mesmo modo, um escritor latino-americano aponta outros significados :
"...Era mais de brincar a vida do que de lê-la. Na verdade, só fiz a escola primária e um ano da secundária. Naquele tempo eram seis anos de escola primária e um ano, um ano e meio, mais ou menos, de secundária. Isso foi tudo que estudei na vida. Ingressei muito cedo na vida das vinerías, os cafés daqui de Montevidéu, que foram a minha universidade. Foi nos cafés que aprendi a maioria das coisas que sei. Através dos livros também, claro. Mas, para mim, a experiência mais importante foi o contato direto com grandes narradores orais que descobri nos cafés de Montevidéu. Agora já não existe mais isso. Nesse tempo, que não era a pré-história da humanidade, Montevidéu tinha muitas vinerías, ou seja, cantinas, lugares onde as pessoas se encontravam para beber vinho, acompanhando o vinho de algumas coisas, sobretudo de canções e histórias. Isso se perdeu, já não existe mais. Para mim foi muito importante esse período de formação, foi ali que se deu a revelação do magnetismo da palavra. Eu não tinha muita idéia disso..." (EDUARDO GALEANO, escritor uruguaio, em entrevista à Revista Caros Amigos de Agosto/2004)
Como afirmei anteriormente, a boemia exige boa companhia e se realiza na tessitura da ação e do significado, tornando-se um estilo de vida, logo, uma arte, como veremos mais adiante através da vida e obra de músicos brasileiros. Até lá!
"Meu parceiro e amigo Nei Lopes costuma dizer que eu sou uma pessoa muito equilibrada nas ações e tomadas de posição. Realmente eu sempre procuro olhar todas as faces das questões antes de definir uma opinião. Às vezes, porém, eu dou umas escorregadas e faço afirmações absolutamente radicais, como a que eu vou fazer agora: Eu considero que um músico se torna um ser humano completo quando ele também é um boêmio praticante. Vou tentar explicar porque:
A boemia não tem horário para começar nem acabar. Pode ser à noite madrugada adentro ou sob a luz do refletor de Deus, com uns chopinhos do lado, porque ninguém é de ferro. Mas a boemia, como grande entidade que é, não se resume aos goles da bebida preferida, a boemia, antes de tudo, é o ato mais honesto de se conviver em sociedade. Vejamos, pois: é em estado de boemia que surgiram alguns dos sambas mais lindos da musica popular; é lá, no mais completo transe boêmio, que confessamos para aquele cara que a gente acabou de conhecer a dor da última desilusão amorosa; lá amigos são amigos mesmo e os chatos, que sempre aparecem no melhor da festa são sempre colocados de lado, de uma forma ou de outra; falando em chatos, as autoridades constituídas estão sempre presentes nos papos boêmios. É uma prática politicamente correta que coloca os atos de nossos políticos sob a mira dos mais exigentes analistas políticos de botequim. Psicólogos, cantores, conselheiros, amantes, o boêmio é um pouco de tudo quando está exercendo o seu ofício.
A solidariedade humana é a base do discurso boêmio aliada a um enorme prazer de viver, de desfrutar das grandes riquezas contidas nos pequenos detalhes da vida, sempre acompanhada por música, geralmente brasileira e da boa. O músico que passa os dias enclausurado em sua casa, as voltas com as partituras, harmonias e Cds, só enxergando o umbigo de sua técnica, sem aventurar sua alma na direção dos prazeres que esse mundo de meu Deus nos oferece, pode até se julgar uma pessoa feliz. Eu não seria. As minhas músicas e o meu violão estão carregados de um desses prazeres: a boemia."
SOLIDARIEDADE HUMANA (Cláudio Jorge)
É...essa vida é dura de se entender
Vou vivendo, vou pagando pra ver
Aonde é que vou chegar
Canções, violões, pandeiros e corações
Vivendo a noite das ilusões
Onde eu fui te encontrar
Se sentou junto de mim
Me olhou no fundo, assim...
Me deitou na tua cama e adeus.
Foi só solidariedade humana
É...essa vida é dura de se entender
Vou vivendo, vou pagando pra ver
Aonde é que vou chegar
Canções, violões, pandeiros e corações
Vivendo a noite das ilusões
Onde eu fui te encontrar
Se sentou junto de mim
Me olhou no fundo, assim...
Me deitou na tua cama e adeus.
Foi só solidariedade humana
Neste longo, porém esclarecedor depoimento de Cláudio Jorge, novas pistas aparecem como, por exemplo, a constatação da produção musical em plena boemia e seus momentos de confessionário. Do mesmo modo, um escritor latino-americano aponta outros significados :
"...Era mais de brincar a vida do que de lê-la. Na verdade, só fiz a escola primária e um ano da secundária. Naquele tempo eram seis anos de escola primária e um ano, um ano e meio, mais ou menos, de secundária. Isso foi tudo que estudei na vida. Ingressei muito cedo na vida das vinerías, os cafés daqui de Montevidéu, que foram a minha universidade. Foi nos cafés que aprendi a maioria das coisas que sei. Através dos livros também, claro. Mas, para mim, a experiência mais importante foi o contato direto com grandes narradores orais que descobri nos cafés de Montevidéu. Agora já não existe mais isso. Nesse tempo, que não era a pré-história da humanidade, Montevidéu tinha muitas vinerías, ou seja, cantinas, lugares onde as pessoas se encontravam para beber vinho, acompanhando o vinho de algumas coisas, sobretudo de canções e histórias. Isso se perdeu, já não existe mais. Para mim foi muito importante esse período de formação, foi ali que se deu a revelação do magnetismo da palavra. Eu não tinha muita idéia disso..." (EDUARDO GALEANO, escritor uruguaio, em entrevista à Revista Caros Amigos de Agosto/2004)
Como afirmei anteriormente, a boemia exige boa companhia e se realiza na tessitura da ação e do significado, tornando-se um estilo de vida, logo, uma arte, como veremos mais adiante através da vida e obra de músicos brasileiros. Até lá!
___________________________________________________
Quem é Luiz Carlos Manhães?
Professor universitário da UFF, Luiz Carlos Manhães realiza um curso regular: "redes educativas na boemia musical". Sugerindo o nome da coluna como: "boemia musical" ou "Os Boêmios", em homenagem a Anacleto de Medeiros, autor da música gravada pelo Cordão do Boitatá. Entretanto, a coluna ficou como Dr. Boêmia em homenagem ao doutor especializado em boêmia. Viva!
Nenhum comentário:
Postar um comentário