sexta-feira, 20 de junho de 2008

Entrevista com Dona Zefinha

Nossa entrevista nessa edição é com a Banda Dona Zefinha, comporta por Orlângelo Leal (voz, marimbal, rabeca, viola e violão), Vanildo Franco (Pífanos, vocal e percussão), Ângelo Márcio (Percussão, vocal e sax), Maninho (bateria), Paulo Orlando (percussão, performance e vocal), Joelia Braga (Percussão, vocal e figurinos) e Gerson Samuel (Trompete, flauta e violino), só quem responde em nome do grupo é Orlângelo Leal, que também é ator, dramaturgo, diretor teatral, compositor e educador. Orlângelo é artista cearense desde 1992 e pesquisador da cultura popular brasileira. Com vocês, a palavra: Orlângelo Leal!


Guerrilha Aberta: Quem é Dona Zefinha? Como a banda se formou, desde o início dos anos 90, na cidade de Itapipoca, no Ceará?
Orlângelo Leal: Surgimos em 1993 em Itapipoca, Ceará, como um grupo de teatro cujo nome era “Trupe Metamorfose”. Passamos a pesquisar teatro de rua, palhaços e cultura popular a partir do repertório de espetáculos que íamos montando ex.; Em 1996 “O Auto da Camisinha”, teatro de rua, Em 1997, “Três Faniquitos sem Concerto”, espetáculo de clown, em 1998 “O Auto do julgamento” também rua.
O que tinha em comum entre os espetáculos era que ao mesmo tempo estávamos pesquisando e compondo a trilha sonora, estávamos também aprendendo a tocar instrumentos de percussão, pandeiro, zabumba, rabeca, marimbal, pífano, viola etc.. Tudo com o intuito de colocar em cena e tornar mais rico nosso trabalho cênico.
Nesta época ainda não tínhamos noção que poderíamos virar uma banda. Esta idéia só foi acontecer em 2000 quando participei da montagem de “Morte e vida Severina” com o grupo Expressões Humanas, onde atuei e compus a trilha sonora do espetáculo.
No festival de Guaramiranga de 2000 o “Morte e vida Severina” foi super premiado. Ganhei uma rabeca do Nelson da Rabeca por Catarina D’ Labouré, fiquei encantado com o presente. Eu fazia o colégio de direção teatral e nos reuníamos para beber e cantar as canções dos espetáculos. Acho que foi por ai o embrião da banda.
Lançamos em 2000 o espetáculo “Cantos e Causos” um apanhado de músicas cênicas e performances oriundas da pesquisa teatral. Assim nasce Dona Zefinha.
O “Cantos e Causos” foi gravado ao vivo no Theatro José de Alencar em 2001, junto com o disco lançamos um clip “Xilogravando”, com direção de Renata Gomes. O clip virou uma faixa no disco e fez muito sucesso por aqui, participamos até de festival de cinema. Muita gente ainda procura o disco, pena que só foram feitas 1000 cópias.



GA: Vocês são uma grupo musical, que mesclam diferentes linguagens artísticas, tais como a dança e o teatro. Tendo até se apresentando no último Anjos do Picadeiro - Festival Internacional de Palhaços. Como vocês se auto-definem, nesse caldeirão de artes?
Orlângelo: Como uma companhia de teatro de rua e banda de música brasileira, autoral e independente, que mistura criatividade e diversão a partir de elementos sonoros, cênicos e coreográficos, invocando os arquétipos ancestrais das manifestações da cultura popular brasileira. Temos como elementos inspiradores: a música contemporânea urbana, a música tradicional rural, desde as origens “ibero-afro-ameríndia” da musicalidade brasileira a sua relação com outras culturas.


GA: Escutando o seu último Cd: "Zefinha foi a feira", parece uma verdadeira viagem pelos ritmos nordestinos e pela rica cultura Brasileira. Como foi o processo de construção desse além, tendo todas as músicas como autorais?
Orlângelo: Desde a gravação do “Cantos e Causos” ao “Zefinha vai a feria” foram seis anos. Tempo suficiente para amadurecimento do grupo, entrada e saída de novos membros, viagens, shows, troca de experiências com outros grupos, ensaios e muita criação. Com o show “Cantos e Causos” nos apresentamos em Buffet, Praça José de Alencar, centros culturais, vários estados do Brasil, Estados Unidos, Coréia e Alemanha. A cada show testávamos canções novas e experimentos sonoros elaborados nos quartos de hotéis.
Com o “Zefinha vai a Feira” Sabíamos com mais clareza o que agora pretendíamos fazer. Não somos uma banda de rock, somos um grupo de música brasileira contemporânea e a pluralidade sonora do universo Brasileiro é imensa, isso é muito bacana e nos deu pano de fundo para uma criação livre de rótulos, apesar de que o mercado queira nos enquadrar no regional por não utilizarmos guitarra nem batida eletrônica.
O que fazemos é um som orgânico inspirado no mais profundo Brasil, trazendo elementos da atitude roqueira e o tribalismo do eletrônico. Nossas inspirações estão nos mestres dos folguedos, nas ladainhas, nos cortejos, gente que não está na mídia e que não são reconhecidos como artistas apenas como folclore a exemplo de Biliu de Campina cantador de embolada que é tão rapper quanto MV Bill, ou as toadas de cavalo marinho executadas pelas rabecas Pernambucanas que considero tão psicodélicas quanto as guitarras de Jimmy Hendrix.
Acho que o Brasil precisa se reconhecer melhor. Vivemos desde a colonização um processo de crise existencial de negação de identidade. Vivemos os sonhos, os desejos, a língua, o comportamento e a cultura do dominador. Precisamos identificar a cada instante quem é o dominador e para quem estamos a serviço. Tudo é muito volátil e a velocidade em que vivemos nos torna prisioneiros cegos do cotidiano.
O “Zefinha vai a feira” foi construído dentro do conceito de contemporaneidade e tradição com letras instigantes sobre conflitos urbanos sociais, tecnologia, globalização e consumismo exagerado. Num ajustado de baião, cantoria de viola, toadas, marchas, batuques de candomblé, música caipira e samba. Mostrando que o Brasil é brega o por sermos brasileiros somos rock, somos funk, somos universais.


GA: A cultura nordestina vem revelando grandes talentos culturais, no universo da música, do teatro, da literatura. Na opinião de vocês, o que faz a região nordeste ser um celeiro de talentos culturais?
Orlângelo: O nordeste é um espaço de contradições sociais. Espaço de lutas populares, guerrilhas e sofrimento. Também é um ambiente onde se cultua a religiosidade, fé e alegria. O sagrado e o profano se fundem nas festas, no dia-a-dia, no trabalho, na família e na comunidade. No Cariri, o homem que trabalha no campo é o mesmo que reza e dança no reizado de congos com saia vermelha. Existe aí o espaço da imaginação e da brincadeira. Ambiente da fertilidade do fantástico, do sons, do movimento da liberdade de criação pelo prazer de brincar.
Somos assim nordestinos, herdeiros da bravura indígena e da força do trabalho negro. Somos caboclos, mamelucos e cafuzos. Construímos Brasília, a transamazônica e o sul maravilha. E por onde as andanças cheguem vai junto a culinária, a linguagem popular, as canções de trabalho e a capacidade de recriação e adaptação ao novo. Luiz Gonzaga considerado o maior representante da cultura nordestina é o pioneiro que apontou para o Brasil um mercado musical em ebulição, e só foi capaz porque viveu e aprendeu com os pais e com seu povo os costumes e as tradições que o nordeste mantém ainda hoje, sua poesia e sonoridade são orgânicas e viscerais.


GA: Vocês estão sempre em viagem pelo Brasil e qual o panorama das artes que vocês poderiam dizer que o Brasil está?
Orlângelo: No quesito criação acho que vai de vento em polpa. A cada dia me surpreendo com a qualidade das produções, experimentos sejam cênicos ou sonoros que os grupos de teatro, dança e música realizam. Tem muita gente boa nos quatro cantos do Brasil produzindo o melhor da arte Brasileira.
Agora no que diz respeito a produção o negócio pega. Vivemos um momento muito ruim para divulgação na mídia televisiva. Existe um monopólio muito grande impedindo que a população tenha acesso a diversidade. Falta espaço na mídia para construção do pensamento, debates sobre estética, sobre produção entre outros elementos que compõem o fazer artístico. Imagino que o povo que mora no Acre deva fazer uma música interessante que os Cearenses não conhecem. Da mesma forma acho que ainda nosso trabalho não tocou naquela região. Espero que com o advento da TV digital este quadro possa mudar e que a pessoas tenham acesso a diversidade e possam escolher uma programação mais livre.
Ainda sobre produção no Brasil vou me referir ao Ceará, como exemplo que conheço. Manter um grupo artístico no mercado Cearense é tarefa árdua. É muito caro ficar em cartaz, as salas de teatro continuam vazias. As rádios não tocam independentes se não pagam o jaguar. Os cachês dos centros culturais estão defasados (muito baratos). Faltam mais eventos culturais, faltam mais escolas de formação em artes no Ceará. Cabe aos grupos muita criatividade e jogo de cintura para permanecerem vivos.
Resta ao poder público, empresas e entidades a criação de políticas culturais de sustentabilidade. Os editais são um bom começo, facilitam a circulação de alguns produtos culturais em outras praças. Estimulam a produção de Cd´s., espetáculos, pesquisa, mas não pode permanecer apenas neste modelo ainda falta estender os braços, criar tentáculos, projetos e mais projetos menos burocráticos e mais dinâmicos.


GA: Na sua opinião, o que é ser artista no Brasil?
Orlângelo: Quando dou aulas de teatro para iniciantes, eu sempre digo que o artista brasileiro deve dedicar 8 horas de trabalho por dia. 4 para os ensaios e estudos e 4 para produção do trabalho.
Ser artista é ter um trabalho autônomo com identidade e personalidade e saber projetar este produto nos quatro cantos do mundo. Festivais, eventos, editais, temporadas, gravadora, não importa o que for, como diria meu professor de teatro Clóvis Levi: “tem que saber dominar os meios”.



Para mais informações e ouvir músicas,
ACESSE: www.donazefinha.com.br

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