sexta-feira, 18 de abril de 2008

Entrevista com Cia do Pequeno Teatro de Retalho

Primeira entrevista desta quinta edição, privilegiando os casais palhaços está a Companhia do Pequeno Teatro de Retalhos, composta por Henrique Escobar e Mariana Fausto. A Cia começa em 2002, em um intercâmbio de seis meses com mestra de Teatro de Animação (objetos, bonecos, mascaras), Magda Modesto. E daqui, começamos nossa entrevista:

Guerrilha Aberta: O que é o Pequeno Teatro de Retalhos? Vocês começaram em um intercâmbio em 2002, com Magda Modesto?
Retalhos: Sim, a partir daí começamos a investir bastante no Teatro de Bonecos - somos apaixonados pelo teatro de luvas, guignol tradicional e vertentes diferentes do clássico Punch and Judy, que no Brasil possui semelhanças no mamulengo do nordeste. Neste mesmo ano, 2002, começamos a investigar a linguagem do palhaço clássico também, que era nossa paixão. Somos da cidade grande e não conhecíamos palhaços de folias e reisados, e pouca coisa dos palhaços de circo tradicionais brasileiros. Nossos videos mostravam sempre o Grock, (norte-americanos e europeus). Tinhamos além disto um enorme interesse pelo trabalho realizado por palhaços em hospitais e toda a maneira de modificar e potencializar as relações inter-pessoais no ambiente hospitalar. o Charlie Rivel, o Popov , Joe Jackson Jr, George Carl, Chaplin, Keaton, Emmet KellyHoje em dia, o Pequeno Teatro de Retalhos possui uma sede no Meyer, onde realizamos pesquisas principalmente na arte do ator. Trocamos muito com grupos brasileiros e estrangeiros tentando não “cristalizar”. Nesta área é importante buscar sempre aprender coisas novas, aprofundar, lapidar o trabalho diariamente.


GA: Há muito tempo que conheço vocês, sobre o trabalho de palhaços que vocês realizam. Fiquei sabendo que vocês estão rodando muitas praças também no Rio de Janeiro. Como tem sido esse trabalho?
Retalhos: O trabalho na rua vem sendo desenvolvido ao longo de quase cinco anos. Há muito tempo que vamos para Pernambuco no verão de carro, até que um dia “deu o estalo” de também realizarmos apresentações. No inicio achávamos que ia ser moleza, mas o chapéu vinha minguadinho, mas com o tempo fomos percebendo muitas especificidades deste métier. Trocamos muito com mestres, fundamentais para nossa formação neste estilo de teatro, posso citar: o Chaco, o Léris, o Leo Bassi,o Tomate, a Makku, o Loco Brusca, o Libar,o Pepe, o Puccetti, fora outros tantos mestres amigos, aqueles da trocação de idéia na mesa de bar, seria impossível citar todos. Gente muito generosa em passar detalhes que fizeram toda a diferença!

GA: Como começou essa história de ser palhaço para vocês dois?
Retalhos: Fizemos um curso com o Luis Igreja da companhia do Gesto, em 2002 e fomos chamados para trabalhar na peça: A Menor Máscara do Mundo, dirigida por ele. Neste mesmo ano, fizemos um trabalho com o Simi do LUME e ficamos encantados com a qualidade e minúcia das pesquisas realizadas em Campinas. Depois fizemos vestibular para a Unirio e começamos em 2003 a realizar o treinamento junto a Enfermaria do Riso, coordenada pela Ana Achcar. Já em 2004 estavamos trabalhando no Hospital Gafree Guinle e também conhecemos o pessoal dos Doutores da Alegria no FILO, numa oficina com a Hillary Chaplain, do Clown Care Unit de N.Y. Penso que muito do que sabemos hoje, nossa filosofia com o trabalho e nossa técnica foi passada pelo pessoal do LUME, bem como de sues mestres. Os Colombaioni, a Sue Morrison e mesmo a experiência de Butoh que tivemos com o Tadashi foram fundamentais, além do querido Ricardo, nosso amigo e mestre, na concretização do que realizamos hoje. Em Dezembro, no Anjos do Picadeiro de Salvador pudemos conhecer melhor a Gardi Hutter, que para mim possui uma técnica e um estilo únicos.

GA: No meio dos palhaços, há muitas familias e casais que se destinam a trabalhar juntos. Como é essa relação para vocês dois? Vocês se dão bem ou levam a relação de casal para discutir, enquanto estão no picadeiro?
Retalhos: Realmente somos apaixonados pelo que fazemos e conversamos muito sobre nosso oficio, nosso artesanato. Pensamos muito no universo teatral, somos tragados constantemente por ele e por seus pensadores. Gostamos de trabalhar diariamente o detalhe, o minimalismo, bem como o grotesco. A cena exige muita parceria, presença, abertura, disponibilidade. O que é maravilhoso quando realizado com quem se ama. Tem época que estamos em projetos distintos e ficamos bastante tempo sem atuarmos juntos. O que não significa que não estamos mais num mesmo barco. Cada um possui características bem distintas do outro, o que ajuda na hora dos contrastes sempre bem vindos à cena cômica.

GA: Na atualidade, o que vocês poderiam dizer sobre trabalhar na rua? Já passaram algum sufoco? Ou é sempre tranquilo?
Retalhos: O trabalho na rua é bastante árduo. É necessário ter energia e disposição só para começar. O ego não pode inflar, pois a rua puxa o tapete de qualquer bom palhaço e é preciso muita técnica para se fazer dinheiro! Muito tempo, muito suor, muita humildade. O lugar do palhaço de rua é o lugar da humildade, por onde se vê a humanidade e a filosofia de quem faz, e também da adrenalina, pois além da exposição, o cachê não está certo. Além disso ainda tem a polícia, que de vez em quando cisma em vetar a apresentação. Uma boa convocatória, o número do chapéu , a filosofia final e os anos de apresentação determinam o sucesso de uma função callerera.



GA: Para finalizar, o que é ser artista, hoje, no Brasil?
Retalhos: Pensamos que ser artista é dialogar com a tradição de sua linguagem. Passar pelo clássico, pelo moderno e ver o que se faz na contemporaneidade, de modo a encontrar um estilo próprio. Muitos artistas começam bem parecidos, mas é importante descobrir diferenças nas maneiras de executar números, de criar lógicas, de sonhar espetáculos. O teatro é a arte da presença, um momento onde a platéia não só assiste como num filme, mas também participa, aplaude ou vaia. Um bom palhaço vê o que ninguém está vendo e tira graça disto ou lágrimas. Tanto faz se num hospital, CTI, teatro, circo, praça ou até mesmo numa festinha de aniversário. Pensamos nas possibilidades que cada espaço pode trazer, como dialogar com ele e com as pessoas que estejam lá, de modo a tentar puxar o tapete da forma cotidiana e hierarquizada de ver o mundo.

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