sexta-feira, 4 de abril de 2008

Entrevista com o mímico Jiddu Saldanha

Nosso primeiro entrevistado dessa edição é o professor de mímica Jiddu Saldanha, que como se auto-define é um artista que quer e luta por um mundo melhor. "Idealista e avesso a joguinhos políticos", como ele próprio se auto-define. Prefere muitas vezes ficar marginalizado, mas diz: "Quem me conhece sabe que sou fiel, amigo e cúmplice para todas as horas!".

Jiddu é mímico há pelo menos 20 anos, roda o Brasil com seus espetáculos desde 1988 e atualmente além de se apresentar, realiza oficinas de mímica. Entre os dias 05 e 09 de maio estará promovendo uma oficina de mímica, no espaço Cultural Mosaico Cultural, na Lapa. O que poucos sabem que ele começou a trabalhar como vendedor de picolé.

Guerrilha Aberta: De vendedor de picolé até professor de mímica. Como foi essa percurso? Estamos falando de quantos anos?
Jiddu Saldanha: Eu tenho 43 anos de idade e vendia picolé numa cidade fria: Curitiba, minha terra natal. Desde criança sempre fui artista no jeito de lidar com a realidade, mas depois fui fazer faculdade de teatro e caí no mundo onde já são 20 anos de carreira, com altos e baixos, mas nem pense em desistir!


GA: Você cita Luiz de Lima e Ricardo Bandeira como mestres que deram origem a mímica no Brasil, ambos já falecidos e esqueçidos. Durante o último festival de mímicos, realizado no último final de semana de março, no Rio. Você disse que a arte da mímica renasce das próprias cinzas. Poderia explicar melhor isso?
Jiddu: A mímica é uma arte muito antiga, muita gente não entende isso. Se por um lado é importante adquirir novos conhecimentos e quebrar paradigmas é também importante manter um vínculo com o passado. Nós, que optamos por fazer pantomima, somos marginalizados por alguns grupos que tentam "elitizar" o conhecimento, mas no final das contas o que sobrevive e fica é a história humana, o respeito aos antepassados e a coragem de querer estar na paisagem sem tirar o espaço de ninguém.

Uma boa parte dos mímicos brasileiros sequer conhecem Luis de Lima e Ricardo Bandeira, mas sabem tudo sobre os ícones da mímica francesa e inglesa. A falta de sentido histórico faz com que na mímica, como em todos os setores da sociedade, o brasileiro se comporte como um "ser domesticado" pelo pensamento cartesiano europeu. Táticamente, somos abertos a tudo o que é novo e também procuramos inovar em nossa arte, mas estratégicamente temos que combater a submissão do nosso sistema! Porquê ela tem um sentido simbólico de "libertação".

No último encontro de mímicos, organizados por peruanos que vieram ao Brasil especialmente para isso, percebemos o sentido de nossa marginalidade, mas compreendemos amor de nosso público, a pantomima vive: OS MÍMICOS VIVEM!


GA: Hoje, você não se considera apenas um mímico, mas um professor de mímica, não é? Como tem sido a experiência de suas oficinas? Alguém que já tenha feito se tornou mímico profissionalmente? Por falar nisso, como funciona o mercado dos mímicos no Brasil?
Jiddu: Gosto de dar aula porquê percebi que a mímica no Brasil está sendo deturpada por uma pequena "elite" que despreza a população e o gosto popular. Minha oficina é cheia de informações, sem preconceitos. Mostro tudo! O aluno aprende e se reapaixona por mímica, quebra os tabus e passa a valorizar mais o mímicos brasileiros.

Também escolhi ser professor para mudar o meu foco. Enquanto muitos mímicos foram buscar a técnica e pesquisar a estética, eu me voltei para o cuidado com nossa "classe". Estou sempre dialogando com todos, buscando um relacionamento sem nenhum tipo de julgamento. Com isso, tenho certeza que fiz uma ponte e contribuí de forma muito singela, de uma aproximação entre o público, o artista e os produtores culturais, além das instituições.

Também tenho uma missão, como mímico, de jamais deixar que se perca a memória de Luis de Lima e Ricardo Bandeira. Se esquecermos da luta desses dois artistas, estaremos fadados ao esquecimento também.



GA: Você diz que a mímica não é a arte do silêncio, mas a arte do gesto e que alguns mímicos até falam. Como isso funciona, na prática? Poderia nos dar alguns exemplos de mímicos que falam e como isso se aplica em cena?
Jiddu: Todos os mímicos falam com excessão daqueles que são surdo-mudos. Falar para um mímico é essencial, porque o silêncio é bonito esteticamente mas não explica tudo. Porém, existem mímicos que amam o silêncio e se sentem bem fazendo espetáculos silenciosos. Dois exemplos disso são o brasileiro Josué Soares e o francês Marcel Marceau. Eu conheci dos dois e confesso que posso passar horas ao lado deles, ouvindo seu silêncio ou suas falas, não importa porque são coerentes em suas escolhas.

A idéia de que o mímico não fala gera mal entendidos e cria uma distãncia entre os mímicos e outros artistas. Acho que a idéia de que a mímica seja "A Arte do Silêncio" foi um grande equívoco. Para mim, a mímica é a arte do "Gesto" mas que pode funcionar muito bem no silêncio. Isso acontece também com a pintura e pasmem até com a música. Em um certo sentido é a arte do silêncio porquê necessita desse intervalo para encontrar seu "som essencial"!


GA: Você diz que a arte da mímica nao é bem recebida pela mídia Brasileira e cita o mimico Santiago Galassi que diz: "A mímica jamais será moda no Brasil". Na sua opnião, há alguma explicação para isso?
Jiddu: Acho que é puro preconceito, se você olhar a maior parte das propostas para enquadramento de projetos culturais no brasil, você vai ver que a mímica raramente é citada. Quando você manda o projeto, ouve coisas como: "a gente quer um artista que fale", ou então olham o currículo para saber se você estudou nas escolas européias. A conclusão que cheguei é que uma boa parte dos técnicos de cultura no Brasil ignoram completamente nossa arte e acabam disfarçando sua ignorância com um certo tom arrogante, desprezando o trabalho de um artista como, por exemplo, meu mestre Everton Ferre que até 2002 havia atingido 8 milhões de espectadores em duas décadas de carreira. Mesmo tendo esses números a nosso favor, não somos levados a sério, mas seriedade no Brasil é sempre um termo discutível, não é?

Acho que, no fundo, nós vivemos de doações de nosso público, principalmente os mímicos populares que não fazem parte de elite nenhuma mas estão na paisagem!


GA: Para finalizar, na sua opnião, o que é ser artista, hoje?
Jiddu: Acho que temos de continuar combatendo a barbárie, antes os sistemas arracavam sua cabeça, quando você o contestava, hoje cortam sua luz, seu telefone e deixam sem comunicação, sem cuidado médico e sem contato com o "mundo produtivo". Nós, artistas, temos de continuar sendo uma referência de luta para os desvalidos, aqueles que nada possuem. Temos que de forma pacifica, mostrar que não concordamos com a mentira que hoje impera no mundo. Por outro lado, temos que ser amorosos, companheiros e fazer coisas juntos porque isso só melhora o mundo. Todos têm o dever de contribuir para melhorar o mundo e, nós artistas, estamos dentro desse projeto. Para mim o importante é saber que estou contribuindo para melhorar o MUNDO.


SERVIÇO:
OFICINA DE MÍMICA COM JIDDU SALDANHA
DATA: De 05 a 09 de maio, das 13 às 17h
LOCAL: Mosaico Cultural (Rua Joaquim Silva, 56/ 6º andar – Lapa)
INVESTIMENTO: R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais) - Podendo ser parcelado em duas vezes: 50% no ato da inscrição e 50% em cheque pré-datado para o dia 05 de maio.
VAGAS: somente 20 alunos
Informações: 2537-0056/ 9713-6530 - ritaporto@terra.com.br


As fotos desta entrevista são de autoria de Ernani Bezerra

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