Malandragem, Patuscada e Boemia: a produção cultural para além do trabalho...
Considero a boemia como um estilo de vida caracterizado pela celebração da palavra, da vida compartilhada e da necessidade do diálogo. Enfim, como escola da vida, para se cumprir a vocação para o prazer.
Esta não é a definição comumente encontrada. Para iniciar esta pesquisa, fui buscar no dicionário o significado dado ao termo boemia. No "Aurélio" encontrei as primeiras pistas e desafios, já que essa manifestação social nos aproxima de diversos sentidos:
Boemia: 1. vida alegre e despreocupada; vida airada, leviana.
2. vadiagem, pândega, estúrdia, estroinice.
Boêmio: 1. que leva vida desregrada; vadio, pândego, estúrdio, estróina.
2. alegre e despreocupado do futuro, desambicioso.3. cigano.
Estróina: extravagante, doidivanas, boêmio, gastador, dissipador, perdulário.
Estúrdio: leviano, esquisito, estróina, doidivanas, excêntrico, travesso.
Pândega: 1. folguedo ruidoso e alegre, brincadeira, folgança, folia.
2. estroinice, extravagância. 3. patuscada, farra.
Pândego: engraçado e alegre.
Patuscada: 1. ajuntamento festivo de pessoas para comer e beber, comedela, comedoria,comezaina 2. pândega, folgança, farra.
Partindo dos significados dados à boemia e sua rede associativa, com carga radical de negatividade, nos vemos diante de uma questão interessante: essa vida alegre e doidivanas, reunindo festivamente pessoas para comer e beber, essa vida noturna (ou diurna) com suas extravagâncias, também é constituída por uma produção cultural, logo, de trabalho, mesmo que seja um alegre e desambicioso para além do trabalho.
Recusando-me a aceitar o sentido discriminador, procuro práticas da boemia no melhor significado da palavra, lugar de encontro criativo, de descobertas socializadas, de bom humor e histórias hilariantes, todas reais, da verdade mais pura, ou desta espécie de verdade pronunciada por quem já bebeu uma dose a mais e passou a acreditar nos próprios devaneios produzidos pelo álcool. Pois, como dizia Charles Baudelaire, "um homem que só bebe água tem, sem dúvida, um segredo para esconder de seus semelhantes".
Aproximando-nos mais um pouco do tema, descobrimos que a vida boêmia e dita desregrada é, muitas vezes, incompatível com uma relação amorosa mais séria e duradoura. Talvez por isso, Ismael Silva, boêmio do Estácio e da Lapa, filosofava: "Nunca me casei. Casar contra quem?", e num samba famoso, de 1931, sugere que largar a boemia exige um grande sacrifício, difícil de ser cumprido. Por isso o compositor exige uma jura de amor em troca de sua regeneração:
SE VOCE JURAR(Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves)
Se você jurar que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas se é para fingir mulher
A orgia, assim, não vou deixar
Muito tenho sofrido por minha lealdade
Agora estou sabido não vou mais atrás de amizade
A minha vida é boa não tenho em que pensar
Por uma coisa à toa não vou me regenerar
Se você jurar que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas se é para fingir mulher
A orgia, assim, não vou deixar
A mulher é um jogo difícil de acertar
E o homem como um bobo não se cansa de jogar
O que eu posso fazer é se você jurar
Arriscar a perder ou desta vez então ganhar.(Oi, jura, jura...)
___________________________________________________Quem é Luiz Carlos Manhães?
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