quinta-feira, 17 de julho de 2008

Dr.Boêmia: Malandragem, Patuscada e Boemia

Malandragem, Patuscada e Boemia: a produção cultural para além do trabalho...

Luiz Manhães


Considero a boemia como um estilo de vida caracterizado pela celebração da palavra, da vida compartilhada e da necessidade do diálogo. Enfim, como escola da vida, para se cumprir a vocação para o prazer.

Esta não é a definição comumente encontrada. Para iniciar esta pesquisa, fui buscar no dicionário o significado dado ao termo boemia. No "Aurélio" encontrei as primeiras pistas e desafios, já que essa manifestação social nos aproxima de diversos sentidos:


Boemia: 1. vida alegre e despreocupada; vida airada, leviana.

2. vadiagem, pândega, estúrdia, estroinice.

Boêmio: 1. que leva vida desregrada; vadio, pândego, estúrdio, estróina.

2. alegre e despreocupado do futuro, desambicioso.3. cigano.

Estróina: extravagante, doidivanas, boêmio, gastador, dissipador, perdulário.

Estúrdio: leviano, esquisito, estróina, doidivanas, excêntrico, travesso.

Pândega: 1. folguedo ruidoso e alegre, brincadeira, folgança, folia.

2. estroinice, extravagância. 3. patuscada, farra.

Pândego: engraçado e alegre.

Patuscada: 1. ajuntamento festivo de pessoas para comer e beber, comedela, comedoria,comezaina 2. pândega, folgança, farra.


Partindo dos significados dados à boemia e sua rede associativa, com carga radical de negatividade, nos vemos diante de uma questão interessante: essa vida alegre e doidivanas, reunindo festivamente pessoas para comer e beber, essa vida noturna (ou diurna) com suas extravagâncias, também é constituída por uma produção cultural, logo, de trabalho, mesmo que seja um alegre e desambicioso para além do trabalho.

Recusando-me a aceitar o sentido discriminador, procuro práticas da boemia no melhor significado da palavra, lugar de encontro criativo, de descobertas socializadas, de bom humor e histórias hilariantes, todas reais, da verdade mais pura, ou desta espécie de verdade pronunciada por quem já bebeu uma dose a mais e passou a acreditar nos próprios devaneios produzidos pelo álcool. Pois, como dizia Charles Baudelaire, "um homem que só bebe água tem, sem dúvida, um segredo para esconder de seus semelhantes".

Aproximando-nos mais um pouco do tema, descobrimos que a vida boêmia e dita desregrada é, muitas vezes, incompatível com uma relação amorosa mais séria e duradoura. Talvez por isso, Ismael Silva, boêmio do Estácio e da Lapa, filosofava: "Nunca me casei. Casar contra quem?", e num samba famoso, de 1931, sugere que largar a boemia exige um grande sacrifício, difícil de ser cumprido. Por isso o compositor exige uma jura de amor em troca de sua regeneração:


SE VOCE JURAR(Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves)


Se você jurar que me tem amor

Eu posso me regenerar

Mas se é para fingir mulher

A orgia, assim, não vou deixar

Muito tenho sofrido por minha lealdade

Agora estou sabido não vou mais atrás de amizade

A minha vida é boa não tenho em que pensar

Por uma coisa à toa não vou me regenerar

Se você jurar que me tem amor

Eu posso me regenerar

Mas se é para fingir mulher

A orgia, assim, não vou deixar

A mulher é um jogo difícil de acertar

E o homem como um bobo não se cansa de jogar

O que eu posso fazer é se você jurar

Arriscar a perder ou desta vez então ganhar.(Oi, jura, jura...)

___________________________________________________

Quem é Luiz Carlos Manhães?

Professor universitário da UFF, Luiz Carlos Manhães realiza um curso regular: "redes educativas na boemia musical". Sugerindo o nome da coluna como: "boemia musical" ou "Os Boêmios", em homenagem a Anacleto de Medeiros, autor da música gravada pelo Cordão do Boitatá. Entretanto, a coluna ficou como Dr. Boêmia em homenagem ao doutor especializado em boêmia. Viva!

Nenhum comentário: