segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Dr.Boêmia: Boemia: o que fazer?

Boemia: o que fazer?
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Luiz Manhães

Uma pergunta nos auxilia a entender os fazeres boêmios, isto é: o que acontece nestes momentos de ajuntamento festivo? Esta é uma decisão que, geralmente, antecede, para cada boêmio, sua chegada ao espaço escolhido para estas práticas. Pressupõe uma filosofia de vida, um jeito de estar no mundo, uma opção negociada em cada rede de amizades que se forma pelos bares e botequins. Pode ser, também, que o "inesperado faça uma surpresa" (Johnny Alf) e um praticante saia sem rumo certo, pronto para o que der e vier, solto e leve, disponível para a vida como ela se apresentar. Adoniran Barbosa, sambista e boêmio, defende uma posição, entre outras possíveis, através de uma marchinha carnavalesca:

NóIS VIEMOS AQUI PRA QUÊ? (Adoniran Barbosa)

Não me amole rapaz, não me amole
Não me amole deixa de conversa mole
Agora não é hora de falá
Nóis viemos aqui prá beber ou prá conversá?
Quem gosta de conversa é camelô
Quem gosta de discurso é orador
Agora não é hora de falá!
Nóis viemos aqui
Prá beber ou prá conversá?


São muitas as maneiras de se praticar a boemia: em algumas, contida na pergunta do autor de "Trem das Onze", ou se bebe ou se conversa; em outras a bebida alimenta a palavra, pois como diz um ditado português, "há que se molhar a palavra, porque a palavra quer-se úmida". Em certas rodas boêmias "é proibido" se referir a determinados assuntos, como, por exemplo, política ou trabalho. Para amigos de longa data, que já identificam suas diferenças ideológicas, as discussões políticas ameaçam a convivência etílica e, o melhor, é jogar conversa fora. Entre companheiros de trabalho, que depois do expediente saem para tomar uma geladinha, esse pode ser um tema-tabu, a não ser que seja para falar mal do patrão ou do chefe... Foi num livro chileno de contos e histórias sobre a experiência vivida nos bares que encontrei outra idéia-força que pode nos conduzir ao entendimento do que é a boemia:

"É certo que a estrutura do bar e sua natureza recordam muito diretamente a experiência religiosa da confissão. É aqui onde a analogia entre 'templo de la conversación" e igreja parece ganhar certa profundidade. (...) O que ocorre no bar é um certo estado de comunhão. O que o bar tem de agradável é o tempo linear e heracliteano, da fastidiosa cotidianidade. No bar se busca um tempo perdido, o tempo que, por pura falta de tempo, nos retorna quase inconfessável" (Relatos & Resacas, Mariano Aguirre, 1998).

Como diz o ditado popular, o melhor botequim é o da esquina, porque é o mais próximo. Ali encontramos grupos de fregueses que promovem, muitas vezes sem combinação prévia, rodas de samba e de chorinho. Outros criam jogos e brincadeiras. Outros ainda preparam churrascos e peixadas como se estivessem no quintal da própria casa. E, pensando bem, não será nenhum exagero considerar o botequim, o pé-sujo, como uma espécie de quintal da casa de seus freqüentadores. Ou mesmo como uma espécie de clube social, onde os fregueses assíduos sabem que encontrarão seus pares para beber e bater um bom papo, onde reforçam laços de amizade e confiança. É o lugar onde se coloca a conversa em dia, onde nos informamos sobre o resultado do futebol, dando muitos palpites e fazendo nossas análises, já que no Brasil todos são técnicos. É o espaçotempo onde discutimos política e as notícias da cidade, onde, enfim, reforçamos, sem perceber, a sensação de pertencimento à rua, ao bairro, à cidade.

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Quem é Luiz Carlos Manhães?

Professor universitário da UFF, Luiz Carlos Manhães realiza um curso regular: "redes educativas na boemia musical". Sugerindo o nome da coluna como: "boemia musical" ou "Os Boêmios", em homenagem a Anacleto de Medeiros, autor da música gravada pelo Cordão do Boitatá. Entretanto, a coluna ficou como Dr. Boêmia em homenagem ao doutor especializado em boêmia. Viva!

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Dr. Boemia,

Se bem entendi, uma antinomia básica parece atravessar o ser boêmio em sua tradição e em sua experiência cotidiana.
Ora este ser e este estar, do modo como se expressa em letra e música, denota uma práxis contrária ao status quo, em que a conversa e o discurso são paradoxalmente negados pelo próprio discurso ou admitidos com restrições (mas, em ambos os casos, a filosofia prévia é a do indivíduo – pensemos a prática da confissão como uma prática formadora de subjetividade – livre em seu desejo de indeterminação).
Ora o ser boêmio está comprometido com laços de sociabilidade, de conversa, que liberam o discurso, seja lá qual for, e que constituem verdadeiros espaços públicos alternativos, tendo por locus privilegiado o bar e a esquina. A “desalienação” de si e a negação do mundo (que outro sentido daríamos à alegria etílica?), já não constituiria, então, o princípio fundamental da filosofia boêmia e, seria o caso de pensarmos a constituição nestes locais e nestas práticas de um ordenamento social contrário aos princípios mais amplamente instituídos da hierarquia e da exclusão.
Enfim, entre uma e outra versão, prefiro apostar na segunda e torcer para que, entre outros requisitos, a “sensação de pertencimento” seja de uma intensidade tal, capaz de transformar o bairro, a comunidade, a cidade, a todos e a cada um.

Saudações boêmias,
João Roberto

Tina Bruxinha disse...

Caro Dr,ser boêmio é ficar nas madrugadas curtindo boa música,batendo um bom papo,mesmo com uma desconhecida qualquer,mas traduzindo toda uma fase romântica ,recheada de pedaçinhos de felicidade,com pintadinhas de segredos sussurados ao som de um bolero,e que bolero...pode ser o de Ravel,ou um outro que lhe traduzir um algo mais...Dr,ser boêmio hoje e se deixar levar pelo sentimento maior e curtir sem restrições essa tal felicidade,seja num bar,num boteco,numa sala,a beira mar ou até nas viagens loucas da imaginação...O que importa e ser e permanecer sendo esse boêmio da noite ,do dia ou da madrugada,que gosta da lua,do sol ou só da brisa que sopra suave e vem te beijar...Dr.ser boêmio é ser só você...Gostei de vim aqui,me senti BOÊmi...