Nessa oitava edição, trazemos uma entrevista com Junior Perim, coordenador Executivo da ONG Crescer e Viver, projeto que nasceu em 2000, dentro de uma escola de Samba e hoje é uma lona de circo dentro da Praça XI.
Guerrilha Aberta: O que é o Crescer e Viver? O projeto que surge dentro de uma escola de samba e vai se aliar ao trabalho de defesa da criança e adolescência e hoje é uma lona de circo, na Praça XI. Poderia nos falar como foi esse processo?
Junior Perim: O Crescer e Viver é uma organização que apropria o processo de ensino-aprendizagem das artes circenses como ferramenta de educação para cidadania e inclusão sócio-produtiva de crianças e jovens de classes e territórios populares. Surgimos, como vocês apontam, de um enredo de uma escola de samba em 2000 quando a Porto da Pedra resolveu homenagear os 10 anos de edição do ECA e nos constituímos como uma organização sociocultural autônoma em 2003. Chegar a Praça Onze foi um passo importante da nossa trajetória de ter escolhido o Circo nas suas dimensões simbólica e educativa como ferramenta de nosso fazer educativo e intervenção social e por conscidência chegamos ao território que nos remete ao início do nosso trabalho - o samba - e ao que hoje temos de mais forte que é o circo, a Praça Onze é o território que guarda as tradições históricas destas duas das principais manifestações de cultura do Brasil.
GA: Além de desenvolver a capacitar de crianças e jovens nas artes circenses. O projeto também está aliado a Rede de Circos do Brasil. Quantos circos fazem parte dessa rede e como estão sendo realizados esses encontros?
Junior: A Rede Circo do Mundo Brasil é um ator coletivo que reúne quase 20 organizações que utilizam o circo em sua intervenção social, educativa e cultural junto à crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Na avaliação do Crescer e Viver a Rede Circo do Mundo Brasil é um dos mais importantes atores coletivos do campo das artes circenses do Brasil, pois além da capilaridade que têm, ao estar presente em quatro das circo regiões do Brasil, tem uma produção de conhecimento e práticas educativas sistematizada que vem sendo apropriada pela academia, por outras organizações em trabalhar com educação e até mesmo pela Funarte que no último encontro que convocou para discutir as bases para a formação circense no Brasil usou como principal referência bibliográficas os textos produzidos e organizados pela Rede Circo do Mundo Brasil.
Mas o Crescer e Viver não está só nesta rede. Nossa visão agora é de trabalhar a cultura circense em sua dimensão produtiva, modelando produtos, espetáculos, enfim criando as possibilidades de promover a inclusão produtiva dos jovens com os quais trabalhamos pela via da cadeia de produção e de valor do espetáculo, dentro desta visão estamos também a partir das comunidades onde o Crescer e Viver está presente, Praça Onze no Rio e Brasilândia em São Gonçalo trabalhando com uma reflexão conceitual que estamos chamando de territórios e sujeitos criativos. Dentro desta visão estamos trabalhando com outras organizações de cultura, mais especificamente o Jongo da Serrinha e o Cinema Nosso, junto nós acabamos de fundar recentemente a "Rampa - Rede de Articulação, Modelagem e Produções Artísticas" que têm como objetivo o que estamos dizendo a mobilização e inclusão produtiva de sujeitos e territórios criativos.
GA: Na opnião de vocês, qual a maior dificuldade do circo hoje, no Brasil? E o que vocês poderiam deixar de aprendizado para tantos outros grupos e pessoas que querem formar redes pelo Brasil?
Junior: Em nossa avaliação a maior dificuldade do circo ainda é a baixa apropriação da história desta expressão e o momento histórico pela qual ela passa no Brasil. Temos hoje o que a Professora Ermínia Silva chama de novos sujeitos históricos do Circo. O Circo Social é um deles, mas que alguns segmentos do circo e dos gestores de cultura insistem em negar e/ou evitar o diálogo. Esta galera é refratária e fica presa neste debate do tradicional, versos contemporâneo, versos social consolidando uma tensão que não favorece o fortalecimento do potencial criativo, produtivo e inclusivo do circo, em diálogo com o que estabelece, inclusive a agenda internacional da cultura, capitaneada pelo Plano Nacional de Cultura que é a arte vista para além do simbólico, mas trabalhada transversalmente nas suas varias dimensões, entre as quais a cidadã e a econômica. Este conflitos que insistem em perpetuar não permite este diálogo mais amplo da cultura e é também um equívoco histórico, pois o circo vem ao longo dos tempos com a intinerância com a liberdade de dialogar com outras linguagens, incorporando elementos, símbolos e valores artísticos e culturais de diferentes lugares e grupos sociais.
Quem leu o último livro da Ermínia Silva vai perceber isso. E a avaliação e a conclusão que temos desta análise é de que o circo é contemporâneo desde de sempre. Mas aí vem uma galera com este papo de rotular de quem é isso, não pode aquilo, quem é aquilo não pode isso e por aí vai...Nossa parada em trabalhar com outros grupos e estabelecer relações em rede é essa, pegando pelo que nos une, nos amarra, nos faz trocar olhares e se perceber e o que nos une? O picadeiro, o palco, a rua e todo e qualquer espaço onde seja possível expressar a arte, em especial a arte circense. Rede é isso se entrelaçar pelos pontos convergentes e crescer no debate das nossas diferenças, não visando um superar a do outro, mas descobrindo a riqueza da nossa diversidade. Vejam vocês a chamada "bio-diversidade" é fonte de riqueza de desenvolvimento, temos que começar a ver isso também nas relações sociais, nas relações humanas e no caso aqui em questão na diversidade artística e cultural, trabalhando o que o Boaventura de Souza Santos chamaria de Ecologia dos Saberes.
GA: No ano passado, vocês montaram um espetáculo circense, chamado "Vida de Artista" e atualmente, vocês estão montando um segundo trabalho, baseado no profeta Gentileza. Como estão os preparativos para o espetáculo? E Quando poderemos vê-lo em cartaz?
Junior: Vida de Artista foi um marco da nossa trajetória, somos outra instituição depois deste espetáculo. Mais de 10.000 pessoas vieram à nossa Lona de Circo durante a temporada e não me lembro de nenhuma sessão onde o público não tenha aplaudido de pé. Este espetáculo foi um aposta institucional que ganhamos jogando com fichas de alto valor cultural na cena artística do Brasil. Desta fichas destaco o envolvimento, cooperação e incondicional apoio da Petrobras e a diretora geral do espetáculo Alice Viveiros de Castro cuja visão, reflexão, conteúdo e conhecimento estético sobre o circo não há no Brasil e arrisco dizer que está escrita na lista das melhores do mundo. Arrisco dizer isso porque como articulador internacional da Rede Circo do Mundo Brasil tenho viajado para diversos países e tido a oportunidade de conhecer muita coisa da formação e produção circense na comunidade planetária e, Alice já é conhecida nestes lugares pela sua produção de conhecimentos e pesquisa no campo do circo e, como Vida de Artista ela juntou isso com a sua experiência de direção teatral para dirigir um espetáculo lindo, trabalhando com jovens cuja experiência de produção criativa mais importante que tiveram foi a vivenciada no Crescer e Viver.
Tenho que falar muito da Alice porque ela nos lançou no desafio de apropriar nossa história também para construir um método de modelagem de espetáculos de circo, ela nos cantou a pedra e gente entro no bingo!!! Nesta equipe não dá para deixar de destacar a equipe de diretoras associadas e coreógrafos que juntou nomes como Lígia Veiga, mestre do teatro de rua e da perna-de-pau, Marilia Felipe, mestre da expressão corporal, Ana Luísa Cardoso, mestre do riso, Lurian Duarte, mestre em acrobacia de solo, Cristina Moura, mestre da acrobacia aérea e Alexandre Souto, mestre do trampolim acrobático. Também não podemos deixar de citar Aurélio de Simone um mago da luz cênica do Brasil e por fim um jovem fantástico que entregou todo o seu tempo criativo e talento realizando a composição e direção musical do espetáculo que foi o Daniel Gonzaga. O cara fez um trilha que na minha avaliação tem que entrar para a história da produção circense Brasileira.
Foi esta galera que nos lançou no "universo" da produção de espetáculos e que nos permitiu também conhecer o Leonardo Guelman, autor da obra "Univvverrsso Gentileza" base conceitual, argumento e nome do nosso próximo espetáculo, que será dirigido por Gamba Júnior, diretor e integrante da Cia. NósNosNós. Não vamos falar muito agora sobre este novo show porque pretendemos iniciar um trabalho amplo de comunicação desta nova produção que já tem parcerias da Petrobras, Sebrae, Capemisa e Resh Comunicação. A estréia está prevista para primeira semana de agosto deste ano.
GA: Nesse ano de 2008, muitos grupos como o Teatro de Anônimo, a Grande Cia Brasileira de Mysterios e Novidades até outros grupos internacionais estiveram ocupando a lona com apresentações, que eu lembro que na publicação do espetáculo Vida de Artista, vocês convidavam os grupos, com o desejo de ser um novo espaço aglutinador de movimentos culturais, no Rio. Como anda esse processo?
Junior: Andando a passos largos rumo a meta de resgatar a Praça Onze como berço do circo brasileiro e na consolidação da Lona de Circo Crescer e Viver como um equipamento democrático de produção, criação, fruição e difusão da produção artística do Rio de Janeiro, em particular a produção cênica de circo. A Cia de Mystérios e Novidades trouxe pra cá o espetáculo Gigantes pela Própria Natureza, o El Circo do Mundo do Chile o epetáculo SubZirKo que juntos em apenas de 04 sessões juntaram mais de 2,5 mil pessoas em nossa lona. Agora vem o Teatro de Anônimo com uma curta temporada de dois espetáculos em apenas dois dias, curta mais intensa pois a energia desta produção cooperativa deles com o Crescer e Viver é forte. Já faz tempo que estamos trabalhando para juntar companhia com a história do Teatro de Anônimo em nosso espaço o nosso próximo passo é convencer e trazer a Intrépida Trupe.
GA: Para finalizar, qual a importância do trabalho de formação e aplicação do trabalho de redes, no Brasil e no mundo?
Junior: Vivemos os tempos da tensões sociais, dos conflitos entre interesses diversos, da disputa desenfreada por algum lugar no mundo. Rede é a contra-hegemonia deste processo, esta é a importância o resgate da relações, que ressurjam aqueles pequenas redes de vizinhos, quem não lembra daquelas trocas de chícara de fermento em troca de uma meia dúzia de "bolinho de chuva"? Este sentido precisa ser reestruturado e restruturante das relações sociais e humanas, peixe tem, tá faltando é rede pra pescar.
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