sexta-feira, 2 de maio de 2008

Entrevista com Cia Circular Brincante (2o Parte)

Fechando as entrevistas desta sexta edição, continuamos a entrevista com a Cia Circular Brincante, com o Dodô, pai do Kariê e marido da Erika, que entrevistamos na edição passada. Dodô além de ser palhaço Xaropé, é desenhista, pintor, bonequeiro, marceneiro especializado em brinquedos, cenotécnico e professor de cultura popular brasileira. Bom, com vocês, Dodô!


Guerrilha Aberta: Como começou essa história de casal de palhaços?
Dodô: Nós dois se casamos (juntamos os trapos) em 1997 e se mudamos para a Roça no interior do Estado (Lumiar) a fim de vivenciar a cultura da terra, da tradição. Lá aprendi a arte e ofícios que são feitos com a mão. Juntamos a outras pessoas, construíram e fundamos uma escola baseada em construções indígenas, onde se valorizasse e repassasse estes conhecimentos ancestrais dos povos da terra. Fomos professores e agitadores culturais durante 8 anos. Chegamos a fundar uma rádio comunitária com os moradores de Lumiar. Depois voltamos pro Rio a fim de fazer uma reciclagem profissional na arte da palhaçaria e outras culturas.


GA: Como começou essa história de ser palhaço para você?
Dodô: Em 2001, fomos convidados pelo Biel Fortuna e pelo Geraldim Miranda para integrarmos um projeto de arte Educação Ambiental que tinha como foco rodar 12 municípios do Rio de Janeiro no entorno da Baía da Guanabara com um espetáculo de circo-teatro. Nós nunca tínhamos feito nada com palhaçaria. Porém quando conhecemos a equipe formada por profissionais incríveis como Eduardo Andrade (Palhaço Dudu), Alexandre Sr. Palhaço, Eugênio Rosales, Carmem Luz, Tatiana France, Malu Morenah, o espetáculo tomou um ar cômico e decidimos fazer uma esquete de palhaços logo de entrada. O espetáculo “METAMORFOSE” foi concebido para funcionar em volta de uma toyota adaptada que serviria de palco, rádio e circo. Em resumo o espetáculo METAMORFOSE era um caminhão de lixo que chegava na comunidade e quebrava. Levantava-se então a questão do que fazer com todo aquele lixo? A solução era montar um circo todo reciclado com trapézio, malabares, palhaços e monociclo. Foi assim nosso batizado na arte da palhaçaria. Fomos jogados de supetão nesta arte e não quisemos mais parar. Nosso trabalho e atuação sempre esteve muito vinculado com a educação.


GA: No último Anjos do Picadeiro, o encontro internacional de palhaços que aconteceu em Salvador. Vocês foram do Rio para Salvador, de carro e voltaram de carro, fazendo espetáculos. Viagem que durou 2 meses, como foi essa experiência para vocês? Qual o melhor aprendizado que vocês poderiam nos contar?
Dodô: Fomos (Eu, Érika e Kairé) de carro direto pra Salvador. Ficamos lá uma semana e depois partimos para percorrer o litoral da Bahia, Espírito Santo e Rio apresentando nosso espetáculo de Rua “Bagunçando o Coreto” Ao todo viajamos 4000 km em 60 dias. Fizemos 17 espetáculos em 15 cidades nos três estados. Viajar com filho e percorrer muitos km tem uma logística diferente, mais lenta. Foi uma experiência incrível, pois queríamos experimentar essa história de viajar em família apresentando espetáculos e vivendo disto. Coisa que ouvíamos falar aqui e ali, mas não sabíamos se era possível. Então montamos um projeto independente chamado “CAIXEIRO VIAJANTE” para esta viajem. Aconteceu de tudo: o carro quebrou (várias vezes), apresentamos em hotel 5 estrela, campo de futebol, praças, calçadas, cruzamos com circos pequenos, acampamos na praia, formos acolhidos por famílias locais, nos perdemos, fomos abordados por guardas municipais dizendo que não era permitido camelô na praça, encontramos com outros grupos de circo. A lição mais importante é aquela do Goete, que quando você quer muito uma coisa todo o universo conspira para que você consiga. Tinha hora que as coisas pareciam que não ia dar certo, como o tempo fechar e gotejar, ou não encontrarmos ponto de luz, mas quando decidíamos dentro de nós que era a hora da palhaçada, era incrível, estávamos lá de nariz vermelho e a roda linda. Outra lição é que existem muitas pessoas boas neste mundo prontas e com necessidade de ajudar umas as outras. Que o povo brasileiro é lindo, humano, alegre, festivo, colaborador e merece tudo de bom. Que a escola da estrada, da rua é inigualável. É estar pronto para o inesperado. É ter jogo de cintura pra sair daqui e ali e não ter nada muito planejado e fixo, duro, pois os planos com certeza vão mudar e se transformar e você com eles.


GA: No meio dos palhaços, há muitas familias e casais que se destinam a trabalhar juntos. Como é essa relação para vocês dois? Vocês se dão bem ou levam a relação de casal para discutir, enquanto estão no picadeiro?

Dodô: O trabalho em família é realizado desde que o homem é homem, e a mulher, mulher. Na roça os filhos trabalham com os pais, nas olarias, nas tecelagens. Enfim, em quase todos os casos, fora nas grandes cidades e nas profissões modernas. A família cresce junta e fica bem unida. Ainda estamos a pouco tempo nesta estrada. Por exemplo nesta viagem que viemos da Bahia, nosso filho Kairé (4 anos) pegou gosto pela brincadeira e pediu pela primeira vez para entrar na apresentação. Começou então a operar o som, e prestar muita atenção nas cenas pra saber quando botar a música. Nisto o moleque aprendeu todo o espetáculo, com falas e gestos. Agora estamos ensaiando um número com ele. Trabalhar em família não é fácil mas é muito bom. Eu particularmente não consigo separar muito as coisas, mas já aconteceu algumas vezes de estarmos de tromba um com o outro e termos que entrar no picadeiro e agir normalmente, mas com certeza quando a coisa ta boa, rola muito melhor, pois tem a comunicação olho no olho e já estamos juntos a 11 anos, então este fator conta muito. A gente se olha de um jeito e sabe o que quer dizer, o que tem fazer. O grande problema é que como somos 2 palhaços e bastantes críticos qualquer cena que vemos no dia a dia, já começamos a analisar. É bem legal, nos divertimos muito.

GA: Lembro que em conversa com você, que o grupo já teve muitos nomes e hoje se chama Circular Brincante. Você gostaria de dizer alguma coisa em relação ao nome da cia? Hoje, a cia tem algum espetáculo pronto?
Dodô: Na verdade a Cia sempre se chamou Cia. Circular Brincante. Porém este ano estamos fazendo uma revisão total da Cia. Sabe aqueles momentos que você pára, olha pra trás e desgosta de um monte de coisa que já fez. E começa um novo capítulo do seu trabalho e porquê não dizer da sua vida com uma outra consciência e qualidade. Estamos neste momento. Então decidimos mudar o nome da cia e agora é Cia. Circular apenas. A Cia. tem como foco principal a arte da Palhaçaria em suas vertentes de rua e palco. Também fazem parte de sua proposta, o Teatro de Bonecos e Animação, assim como oficinas de arte educação. Circular porque é uma companhia familiar, circo e Lar ao mesmo tempo. Circular pelo objetivo de brincar e fazer circular as brincadeiras. Circular pelo desejo de rodar o mundo, acreditando que: “um dia sem sorriso é um dia perdido” - Charles Chaplin. Hoje a Cia. possui alguns espetáculos prontos: “Bagunçando o Coreto” é o nosso carro chefe. Um espetáculo tanto de rua como de palco que simplesmente mostra o jogo do palhaço, que vai estar até maio, rodando o município do Rio de janeiro, em parceria com a prefeitura pelo programa Rio de Alegrias, em 16 comunidades. Este espetáculo já aconteceu em mais de 50 comunidades no ano de 2007, passando pelo Jacarezinho, santa Cruz, campo grande, realengo, pavuna, piedade, Cosmos, Caju, Vila Aliança, bangu, Dona Marta, Lins, e outros mais.
Temos também outros espetáculo prontos e em montagem
, inclusive espetáculos solos: “Infante”, onde realizo números clássicos de palhaço sem uma palavra (infante = mudo, sem palavra).


GA: Para finalizar, o que é ser artista para vocês, hoje, no Brasil? Dodô: Ser artista é acreditar no ser humano. É ser, principalmente no brasil um herói. Viver de arte é algo indescritível. É remar contra a maré de um rio amazônico. Ninguém oferece ao filho ou se quer diz que existe a possibilidade de ser artista, quiçá palhaço, como profissão. Muitas vezes me perguntam o que eu faço e eu respondo palhaço. Aí a pessoa pergunta de novo, mas você faz o que mais, vive do que? E quando está preenchendo uma ficha de inscrição e põe palhaço! Já teve gente que falou que não podia por aquilo, que era pra botar a profissão! Engraçado é que os “profissionais sérios” (engenheiros, médicos, advogados, bla bla) quando querem fazer algo prazeroso ou gastar o dinheiro suado e sacrificante que conseguiram, gastam com o que acham de melhor. E o que é? Uma peça de teatro, levar o filho no circo, rir, viajar. Será que estas pessoas realmente acham menor uma arte que reabastece sua alma para suportar sua via crucis diária? Por que recorrem aos artistas para se curarem? Pra mim artista é isto. É ser médico de almas.

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